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Silviano Santiago

Passagens:

(1936- )

Reconhecido como um dos pensadores e escritores brasileiros mais importantes dos últimos cinquenta anos, Silviano Santiago é um crítico astuto e um romancista e contista inovador. Quando Santiago venceu o Prêmio Camões em 2022 pelo conjunto de sua obra, o júri elogiou-o por ter recebido vários prêmios nacionais e internacionais, inclusive o Jabuti e o Oceanos, e por ser: “um pensador capaz de uma intervenção cívica e cultural de grande relevância, com um contributo notável para a projeção da língua portuguesa como língua do pensamento crítico, no Brasil e fora dele (nos países ibero-americanos, africanos, nos Estados Unidos e na Europa)” (Instituto Camões 2022). A contribuição de Santiago à teoria crítica é mais evidente nos estudos pós-coloniais e nos estudos culturais latino-americanos, onde seus conceitos-chaves, “o entre-lugar” e “o cosmopolitismo do pobre”, são discutidos, citados e traduzidos para circularem nos contextos anglófonos e hispânicos. Os próprios conceitos interrogam os deslocamentos linguísticos, culturais e sociais que emergem com a circulação e a migração de pessoas, ideias, obras e instituições. Para Santiago, as viagens e os deslocamentos—tanto metafóricos quanto geográficos—não são assuntos abstratos, senão as experiências fundamentais de sua formação que servem como os fios condutores de sua escrita crítica e criativa.

Durante sua infância em Formigas, Minas Gerais, nos anos 1930 e 1940, as primeiras viagens aconteceram através das ideias, palavras e imagens encontradas em histórias em quadrinhos, filmes de guerra e musicais de Hollywood. O brasileiro viveu uma vida tranquila num estado relativamente provincial do Brasil durante um período de violência mundial, uma justaposição manifestada no título de sua coletânea de poesia de 1978, Crescendo durante a guerra numa província ultramarina. Os poemas de tal volume contrastam as notícias de guerra tiradas dos jornais com as diversões e os brinquedos duma criança protegida daqueles horrores. Essa coletânea demostra como sua vida poderia servir como inspiração para sua produção criativa e crítica e, além disso, indica que, desde jovem, possuiu uma “atração do mundo,” para citar o termo que desenvolveu num ensaio de 1995 sobre a posição intelectual de Joaquim Nabuco. Apesar do impulso para conhecer o mundo, Santiago valoriza suas experiências e perspectivas distintas como um escritor nascido e crescido num país relativamente periférico.
No final dos anos 1950, Santiago trocou sua cidade natal pelo capital do estado, Belo Horizonte, para estudar na Universidade Federal de Minas Gerais, onde completou a graduação em Letras Neolatinas com especialização em Literatura Francesa em 1959. Depois se mudou para Paris para continuar seus estudos doutorais nas Letras Francesas na Universidade de Sorbonne, onde descobriu o pensamento filosófico e crítico de Michel Foucault, Louis Althusser e, mais importantemente, Jacques Derrida. Defendeu com sucesso sua tese sobre o livro Os moedeiros falsos de André Gide em 1968, mas, antes disso, já começara a trabalhar como professor e pesquisador. Em 1962, recebeu uma oferta de emprego no departamento de espanhol e português da Universidade do Novo México, e, de novo, se deslocou de um lado do Atlântico para o outro, radicando-se no sudoeste dos Estados Unidos. Lá, deu aulas sobre a língua portuguesa e a literatura luso-brasileira, começando com os textos coloniais de Pêro Vaz de Caminha e António Vieira, passando pelos mestres oitocentistas da língua portuguesa Eça de Queirós e Machado de Assis e pelos modernistas brasileiros, e concluindo com as obras magistrais brasileiras do século XX de, entre outros, Graciliano Ramos e João Guimarães Rosa. A experiência de reler e ensinar estes textos promoveu uma análise mais atenciosa que Santiago depois transformou em ensaios críticos. Durante sua estadia no Novo México, aprendeu mais sobre a cultura hispano-americana e latina através do contato com seus colegas e com outros residentes da região sudoeste estado-unidense. Começou a ler escritores hispano-americanos, o que contribuiu ao desenvolvimento de suas ideias sobre a literatura e cultura latino-americana.

Seguiu vivendo e desenvolvendo sua carreira profissional nos Estados Unidos por uma década, trabalhando na Universidade de Rutgers (Nova Jersey) e na Universidade Estadual de Nova York, Buffalo (SUNY-Buffalo) como professor universitário de francês. Devido a sua posição profissional e relativa proximidade à cidade de Nova York, teve a oportunidade de conhecer pessoalmente Foucault e Derrida, participar nos debates teóricos mais urgentes da época, e socializar com Hélio Oiticica e outros exilados latino-americanos. Notavelmente, sua residência nos Estados Unidos contribuiu às experiências e leituras que informaram a conceptualização do “entre-lugar.” O crítico propôs o termo inicialmente em francês, em 1971, numa palestra intitulada “L’entre-lieu du discours latino-américain,” que deu em Montreal, uma cidade canadense bilíngue, a convite de Eugenio Donato para discutir a antropofagia. Ao invés de focar sua apresentação no modernismo brasileiro, propôs um entendimento mais abrangente do “ritual antropofágico” do discurso latino-americano como um ato de falar e escrever contra as vozes estabelecidas ou dominantes. Publicado em inglês, em 1973, e depois em português em 1978, o célebre ensaio é o produto do que Santiago leu e interpretou durante seus estudos na França e seus anos trabalhando nos Estados Unidos, uma mistura distinta da teoria pós-estruturalista francesa com a literatura colonial brasileira de Caminha e as narrativas contemporâneas latino-americanas de Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Antônio Callado. Desde estas origens num contexto multilíngue e transnacional, o conceito do entre-lugar antecipa as teorias pós-coloniais que enfatizam as possibilidades críticas e criativas de transculturação ou hibridez, como o espaço terceiro de Homi Bhabha, a fronteira de Gloria Anzaldúa, a zona de contato de Mary Louise Pratt e as culturas híbridas de Néstor García Canclini. O pensamento crítico latino-americano de Santiago estabelece um diálogo com seus contemporâneos argentinos como Beatriz Sarlo, Sylvia Molloy e Ricardo Piglia. Em contraste com Molloy y Piglia, que permaneceram nos Estados Unidos pelo resto de suas carreiras, Santiago decidiu voltar para o Brasil em 1972, em plena ditadura militar, para ser catedrático na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e, depois, na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Depois do regresso, Santiago se radicou no Rio de Janeiro, mas seu enraizamento no Brasil não diminuiu o impulso cosmopolita e o engajamento com o mundo. Continuou a viajar internacionalmente para participar em congressos, dar palestras convidadas e ser professor catedrático visitante em várias universidades prestigiosas, inclusive Princeton e Indiana. Além disso, o movimento, a circulação e a transformação de ideias, obras e pessoas emergem como os fios condutores de sua obra. Como organizador da coletânea Glossário de Derrida, de 1976, Santiago colaborou com seus alunos e outros colegas para introduzir as ideias pós-estruturais de Jacques Derrida ao público brasileiro. O livro sintetizou os conceitos filosóficos desenvolvidos por Derrida em seus primeiros seis textos, publicados originalmente em 1967 e em 1972. O glossário identificou as ideias principais de Derrida e ofereceu uma leitura crítica destes conceitos filosóficos que facilitou a compreensão do pensamento derridiano e das traduções para o português de A escritura e a diferença e Gramatologia, publicadas respectivamente em 1971 e 1973. A voz distinta de Santiago como ensaísta e ficcionista emergiu durante esse período enquanto mergulhava no pensamento crítico francês e, ao mesmo tempo, lia e relia a literatura canônica brasileira e hispano-americana. Os ensaios compilados nos volumes Uma literatura nos trópicos (1978), Vale quanto pesa (1982) e Nas malhas da letra (1988) analisam a relação do Brasil e, por extensão da América Latina, com os poderes históricos e atuais nos âmbitos políticos, econômicos e sociais por meio de leituras cuidadosas de textos literários e culturais. As obras discutidas variam, mas os temas recorrem e oferecem maior clareza sobre a dependência, a colonização, a originalidade e a imitação, bem como o deslocamento. Além do célebre ensaio “O entre-lugar do discurso latino-americano”, Santiago escreveu e publicou textos perspicazes como “Apesar de dependente, universal” (1980), que discute a dialética de dependência e universalidade a partir de uma leitura da poesia de José de Anchieta, e “A permanência do discurso da tradição no modernismo” (1985), que analisa as dinâmicas entre tradição e modernidade nas vanguardas brasileiras e globais.

Enquanto considerava o lugar do Brasil dentro das discussões literárias e culturais em seus ensaios críticos, Santiago começou a estabelecer-se como romancista. Publicou seu primeiro romance, Em liberdade: uma ficção, em 1981, que propõe uma ficcionalização da vida do escritor brasileiro Graciliano Ramos nos dias após sair do cárcere em 1936. O romance estabelece um diálogo intertextual com Memórias do cárcere, um livro sobre as experiências carcerárias de Ramos publicado postumamente em 1953. A inclusão da expressão “uma ficção” no título aponta para a linha porosa entre o real e o ficcional nas narrativas de Santiago. O escritor transforma, exagera e inventa elementos de suas memórias, no caso de sua vida pessoal e familiar, ou da documentação escrita, no caso de figuras históricas como Ramos. Como resultado, as narrativas de Santiago transgridem as fronteiras entre o ficcional e o real numa expressão literária do entre-lugar. Santiago propõe versões ficcionalizadas dele mesmo em O falso mentiroso: memórias (2004) e Histórias mal contadas: contos (2005); de seus parentes, especificamente Tio Mário, em Uma história de família (1992); e de escritores célebres como Machado de Assis em Machado (2016). Ao invés de propor um retrato verossímil de sua vida, sua família ou uma pessoa famosa, o escritor examina as limitações da representação e questiona as divisões porosas entre a ficção e a realidade. Santiago encontra um âmbito frutífero para examinar duas preocupações centrais de sua escrita—a representação e a subjetividade—ao considerar como mediar as experiências vividas de infância, as dinâmicas familiares e os desafios pessoais.

Em suas narrativas ficcionais, o deslocamento se manifesta como uma experiência ligada às passagens e transgressões geográficas dos viajantes, exilados e migrantes, ou às transformações mais íntimas e interiores dos sujeitos queer. O protagonista do romance Stella Manhattan (1985), Eduardo da Costa e Silva, exemplifica a multiplicidade dos deslocamentos como brasileiro radicado em Nova York no final dos anos 1960, onde conhece outros exilados e migrantes brasileiros, cubanos e latino-americanos. Apesar de estar fora do Brasil durante a ditadura militar, Eduardo não é um exilado explicitamente político; procura refúgio no estrangeiro depois de ter um relacionamento homossexual no Rio de Janeiro que trouxe vergonha para sua família. Segundo o crítico Karl Posso, Eduardo entra em “sexílio” em Manhattan, onde encontra espaços particulares para expressar sua sexualidade e abraçar seu alter-ego feminino Stella, a estrela de Manhattan. A duplicidade de sua identidade não se limita a sua sexualidade; também se manifesta em termos linguísticos e culturais. Eduardo transita com relativa facilidade entre seu português nativo e o inglês de seus novos arredores; até entende o espanhol falado por seu vizinho Paco, um cubano anticastrista que introduz o brasileiro aos clubes e outros lugares clandestinos. As duplas identidades proliferam neste romance: não só o protagonista (Eduardo/Stella), mas também seu vizinho (Paco/La Cucaracha), seu amigo universitário e militante esquerdista (Marcelo Carneiro da Rocha/Caetano/Marcela, a Marquesa de Santos), e um oficial militar e amigo familiar (Coronel Valdevinos Vianna/A viúva negra) existem entre nações, línguas, gêneros e desejos sexuais. Através dos encontros destes personagens deslocados, Santiago constrói uma expressão ficcional do conceito previamente teorizado do entre-lugar.

Duas coletâneas subsequentes de contos, Keith Jarrett no Blue Note (Improvisos de Jazz) (1996) e Histórias mal contadas (2005), capturam um âmbito semelhante dos seres deslocados e desdobrados tentando se encontrarem nas cidades e estradas anónimas dos Estados Unidos. A partir de seu apartamento monótono numa cidade universitária no meio-oeste do país, o protagonista dos contos de Keith Jarrett no Blue Note lembra sua cidade natal com o calor, o sol, e a paisagem tão distinta da planície fria e nevada de seus arredores atuais. Além da geografia de seu passado, o protagonista lembra os amantes e os encontros íntimos de meses e anos anteriores. De novo, Santiago estabelece um vínculo entre os deslocamentos geográficos e linguísticos e um desejo escondido ou clandestino. Devido a suas migrações e seus desejos eróticos, os personagens de Stella Manhattan e Keith Jarrett no Blue Note não se sentem integrados completamente na sociedade onde residem, todavia, procuram conexões. A vontade de estabelecer uma conexão, apesar de seu deslocamento como brasileiro nos Estados Unidos, inspira o protagonista-narrador do conto “Borrão,” de Histórias mal contadas, a tentar comunicar com outros passageiros num ônibus atravessando o sul dos Estados Unidos. Inspirado por sua residência nos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970, Santiago transforma experiências pessoais em narrativas “mal contadas” que modificam ou exageram os eventos vividos. Os resultantes contos representam os desentendimentos linguísticos, sócio-políticos e raciais sofridos pelos personagens deslocados de Santiago. Por exemplo, o narrador de “Borrão” encontra os limites do entendimento mútuo durante sua conversa com um homem afro-americano no ônibus. Durante a viagem, o narrador confronta pela primeira vez a segregação codificada de Jim Crow, um sistema que identifica o narrador como um ser racializado e outro, apesar de sua educação superior e seu privilégio socioeconômico relativo. O conto revela as repercussões dos deslocamentos; as disjunções e as más traduções vão mais além da língua e se manifestam nas construções raciais e nos sistemas sociais.

Com suas obras publicadas nas primeiras décadas do século XXI, Santiago mantém uma vitalidade como crítico e ficcionista. As ressonâncias entre seus conceitos teóricos e suas narrativas ficcionais persistem, como seu outro conceito essencial, “o cosmopolitismo do pobre”, exemplifica. Publicado na coletânea O cosmopolitismo do pobre de 2004, o ensaio que propõe o termo abre com uma descrição do filme Viagem ao princípio do mundo (1997) do realizador português Manuel de Oliveira. A partir de uma análise das disjunções representadas no filme entre o mundo pré-moderno numa aldeia rural portuguesa e o mundo moderno numa cidade cosmopolita francesa, Santiago discute como a globalização tem minimizado as distinções visíveis entre o provincial e o cosmopolita para criar um mundo onde cada vez mais as pessoas, as ideias e as mercadorias circulam. Segundo sua formulação, o cosmopolitismo hoje em dia não é um privilégio das elites, como foi nos séculos anteriores, senão uma necessidade dos pobres para simplesmente sobreviverem. Ao mencionar os “retirantes brasileiros contemporâneos” e os trabalhadores clandestinos de outros países, Santiago retrata uma rede de migrantes e itinerantes que transitam entre as cidades globais à procura de emprego ou de outras oportunidades económicas. O cosmopolitismo desta classe precária emerge como uma condição de seus deslocamentos contínuos e sua flexibilidade laboral necessária. Os migrantes, exilados e viajantes dentro das narrativas ficcionais de Santiago não demostram esta precariedade financeira, mas compartilham com os cosmopolitas pobres uma atração do mundo que o próprio escritor exibe em sua vida e sua obra. Desde sua infância mineira até aos estudos em Belo Horizonte e Paris e sua carreira profissional nos Estados Unidos e no Rio de Janeiro, Silviano Santiago tem vivido no entre-lugar e tem observado os cosmopolitismos diversos e discrepantes. Sua trajetória pessoal se reflete nas itinerâncias e nos deslocamentos de seus personagens, ilustrando a fronteira porosa entre o real e o ficcional em sua escrita. Com seus prolíficos textos críticos e criativos, continuamos acompanhando as viagens geográficas e intelectuais deste premiado escritor brasileiro.

 

Citações

A literatura latino-americana de hoje nos propõe um texto e, ao mesmo tempo, abre o campo teórico onde é preciso se inspirar durante a elaboração do discurso crítico de que ela será o objeto. O campo teórico contradiz os princípios de certa crítica universitária que só se interessa pela parte invisível do texto, pelas dívidas contraídas pelo escritor, ao mesmo tempo que ele rejeita o discurso de uma crítica pseudomarxista que prega uma prática primária do texto, observando que sua eficácia seria consequência de uma leitura fácil. Estes teóricos esquecem que a eficácia de uma crítica não pode ser medida pela preguiça que ela inspira; pelo contrário, ela deve descondicionar o leitor, tornar impossível sua vida no interior da sociedade burguesa e de consumo. A leitura fácil dá razão às forças neocolonialistas que insistem no fato de que o país se encontra na situação de colônia pela preguiça de seus habitantes. O escritor latino-americano nos ensina que é preciso liberar a imagem de uma América Latina sorridente e feliz, o carnaval e a fiesta, colônia de férias para turismo cultural.
Entre o sacrifício e o jogo, entre a prisão e a transgressão, entre a submissão ao código e a agressão, entre a obediência e a rebelião, entre a assimilação e a expressão – ali, nesse lugar aparentemente vazio, seu templo e seu lugar de clandestinidade, ali, se realiza o ritual antropófago da literatura latino-americana. (“O entre-lugar do discurso latino-americano”, Uma literatura nos trópicos, 2000: 26)

 

Se não fosse pela Lacucaracha não sei não o que teria acontecido com Eduardo nos primeiros meses de Nova Iorque […].
Lacucaracha, chamado paco, de batismo Francisco Ayala, era um cubano da ilha no início da década, bien gusano y anticastrista, que escolheu Nova Iorque em lugar de Miami. Para justificar a escolha, dizia: “Para uma persona como yo que siempre vivió em la Havana, no hay más que dos ciudades em el planeta: Paris y Nueva York’, e continuava: ‘Paris está en manos de comunistas, y Nueva York em manos de nosotros, amantes de la libertad.
Vizinho de andar de Eduardo deu de cara umas vezes com ele no elevador, e na terceira ou quarta vez que toparam um com o outro le saludó muy simpaticamente en español porque yo lo sentía aquí (e batia com o dedo no peito, ali no lugar do coração) que tú eras latino. “Brasileiro? ay, no me lo digas!” e quase teve um ataque histérico no cubo do elevador que subia, deixando Eduardo perplexo e sem fala até que chegaram ao quinto andar e as portas se abriram. Ficaram conversando charlando no corredor por alguns minutos, e aí Paco resolveu chamar o amigo para um drinque en mi casa que es la tuya por supuesto. Eduardo aceitou. (Stella Manhattan, 1985: 29-30)

 

Hoje os retirantes brasileiros, muitos deles oriundos do estado de estados relativamente ricos da nação, seguem o fluxo do capital transnacional como um girassol. Ainda jovens e fortes, querem ganhar as metrópoles do mundo pós-industrial. De posse do passaporte, fazem enormes filas à porta dos consulados. Sem conseguir o visto, viajam para os países limítrofes, como o México ou o Canadá, em relação aos Estados Unidos da América, ou como Portugal e a Espanha em relação à União Europeia, e ali se juntam a companheiros de viagem de todas as nacionalidades. O camponês salta hoje por cima da Revolução Industrial e cai a pé, a nado, de trem, navio ou avião, diretamente na metrópole pós-moderna. Muitas vezes sem a intermediação do necessário visto consular. Rejeitado pelos poderosos estados nacionais, evitado pela burguesia tradicional, hostilizado pelo operariado sindicalizado e cobiçado pelo empresariado transnacional, o migrante camponês é hoje o ‘mui corajoso’ passageiro clandestino da nave de loucos da pós-modernidade. (“O cosmopolitismo pobre”, O cosmopolitismo pobre, 2004: 52)

 

A sofrida experiência dele e do seu povo no vale do Mississípi-Missouri contrastada com a minha experiência de imigrante recém-chegado dum outro sul – south of the Mexican border, como passaram a nos localizar geograficamente a partir e depois da Segunda Grande Guerra. Não sei se lhe disse que era nascido no Brasil. Não sei se significava alguma coisa dizer a ele que eu era brasileiro. Pelé ainda não existia no país que desconhecia o futebol, o soccer. A única estrela esportiva – conhecida apenas dos brancos – era a tenista Maria Ester Bueno, vencedora do torneio. O carnaval do Rio era então desprezado pelos habitantes do país que oferecia aos turistas os desfiles do mardi gras no Vieux Carré. Para todos os efeitos Carmem Miranda era mexicana ou cubana, irmã ou sobrinha de Xavier Cugat. O mago das rumbas.”
(“Borrão”, Histórias mal contadas, 2005: 39-40)

 

 

Bibliografia Ativa Selecionada

Santiago, Silviano (1978), Crescendo durante a guerra numa província ultramarina. Rio de Janeiro, Francisco Alves.
— (1981), Em liberdade: uma ficção. São Paulo, Paz e Terra.
— (1982), Vale quanto pesa: (ensaios sobre questões político-culturais). Rio de Janeiro, Paz e Terra.
— (1985), Stella Manhattan. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
— (2002), Nas malhas da letra: ensaios. São Paulo, Companhia das Letras.
— (1992), Uma história de família. Rio de Janeiro, Rocco.
— (1995), Viagem ao México. Rio de Janeiro, Rocco.
— (1996), Keith Jarrett no Blue Note (Improvisos de Jazz). Rio de Janeiro, Rocco.
— (2000), Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. 2ª edição. Rio de Janeiro, Rocco.
— (2004), O cosmopolitismo do pobre: Critica literária e critica cultural. Belo Horizonte, Editora UFMG.
— (2004), O falso mentiroso: memórias. Rio de Janeiro, Rocco.
— (2005), Histórias mal contadas: contos. Rio de Janeiro, Rocco.
— (2006), As raízes e o labirinto da América Latina. Rio de Janeiro, Rocco.
— (2006), Ora (direis) puxar conversa!: ensaios literários. Belo Horizonte, Editora UFMG.
— (2008), Heranças. Rio de Janeiro, Rocco.
— (2014), Mil rosas roubadas. São Paulo, Companhia das Letras.
— (2016), Machado. São Paulo, Companhia das Letras.
— (2018), “Deslocamentos reais e paisagens imaginárias: o cosmopolita pobre.” Cultura: Revista de História e Teoria das Ideias, v. 37: 15-31. Consultável em: https://doi.org/10.4000/cultura.4787.
— (2021), Menino sem passado. 1936-1948. São Paulo, Companhia das Letras.
— (2023), Grafias de vida – A morte. São Paulo, Companhia das Letras.
Santiago, Silviano (org) (1976), Glossário de Derrida. Rio de Janeiro, Francisco Alves.
Santiago, Silviano (org) (2000), Intérpretes do Brasil. 3 volumes. Rio de Janeiro, Nova Aguilar.

 

Bibliografia Crítica Selecionada

Botelho, André/ Maurício Ayer (2024), “Entrevista com Silviano Santiago. Em busca do tempo perdido de Machado.” Blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social. Consultável em: https://blogbvps.com/2024/09/27/entrevista-com-silviano-santiago-por-andre-botelho-e-mauricio-ayer/.

Botelho, André/ Gabriel Martins da Silva (2023), “Hospedagem Vale quanto pesa, uma ética da relação.” Blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social. Consultável em: https://blogbvps.com/2023/04/10/hospedagem-vale-quanto-pesa-curadoria-de-andre-botelho-e-gabriel-martins-da-silva/.

Brasileiro, Marcus V. C. (2010), Deslocamento e subjetividade em João Gilberto Noll, Silviano Santiago e Bernardo Carvalho. Diss. U of Minnesota.

Brune, Krista (2020), “Silviano Santiago’s Translational Criticism and Fiction,” Creative Transformations: Travels and Translations of Brazil in the Americas. Albany, SUNY Press, 105-144

Cámara, Mario (2025), “Apresentação: Glossário Silviano Santiago.” Blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social. Consultável em: https://blogbvps.com/2025/05/08/glossario-silviano-santiago-apresentacao-de-mario-camara/.

Coelho, Federico (Org) (2011), Encontros: Silviano Santiago. Rio de Janeiro, Beco do Azougue.

Cunha, Eneida Leal (Org) (2008), Leituras críticas sobre Silviano Santiago. Belo Horizonte, Editora UFMG.

Hoisel, Evelina (2023), “Homenagem a Silviano Santiago.” Blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social. Consultável em: https://blogbvps.com/2023/08/01/coluna-palavra-critica-homenagem-a-silviano-santiago-por-evelina-hoisel/.

Instituto Camões (2022), “Silviano Santiago vence Prémio Camões 2022.” Camões: Instituto da Cooperação e da Língua. Consultável em: https://www.instituto-camoes.pt/sobre/comunicacao/noticias/brasil-silviano-santiago-vence-premio-camoes-2022.

Klinger, Diana (2007), Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica: Bernardo Carvalho, Fernando Vallejo, Washington Cucurto, João Gilbert Noll, César Aira, Silviano Santiago. Rio de Janeiro, 7Letras.

Lopes, Denílson (2007), “From the Space In-Between to the Transcultural.” Journal of Latin American Cultural Studies. v. 16(3): 359-369. Consultável em: https://doi.org/10.1080/13569320701682583.

— (2008), “Silviano Santiago, estudos culturais e estudos LGBTS no Brasil.” Revista Iberoamericana, v. 74(255): 943-957. Consultável em: https://core.ac.uk/reader/296292520.

Posso, Karl (2003), Artful Seduction: Homosexuality and the Problematics of Exile. Oxford, Legenda.

Ramos, Julio (2012), “Los viajes de Silviano Santiago. Conversación con Julio Ramos.” Zama: Revista del Instituto de Literatura Hispanoamericana, v. 4(4): 185-196. Consultável em: https://doi.org/10.34096/zama.a4.n4.630.

Silva, Maria Andréia de Paula (2016), Silviano Santiago: uma pedagogia do falso. Curitiba, Appris.

Souza, Eneida Maria de/ Wander Melo Miranda (Orgs) (1997), Navegar é preciso, viver: escritos para Silviano Santiago. Belo Horizonte, Editora UFMG.

Souza, Eneida Maria de/ André Botelho e Rafael Lovisi Prado (Orgs) (2020), Dossier: 40 Anos de Uma Literatura nos Trópicos: ‘Entre-lugar’, ‘Cosmopolitismo’, ‘Inserção’. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 30(1). Consultável em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/issue/view/1148.

 

Autor(a): Krista Brune | Penn State | ORCID


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Krista Brune, "Silviano Santiago", Diásporas em Português, ISBN 978-989-35462-0-8, 26 de Maio, 2025, https://diasporasemportugues.ilcml.com/glossary/silviano-santiago/

Verbetes de Krista Brune: Silviano Santiago,